quinta-feira, 29 de agosto de 2013

"No escribo poesia. Quiero pintar poesia"

  Não é todo dia que temos a sorte de abrir o e-mail e encontrar um convite interessante. Quando acontece, não é todo dia que esse convite é gratuito. E quando combinam os dois fatores, definitivamente não é todo dia que o convite calha de ser para ouvir o seu artista-vivo-favorito falar. 
  Pois hoje comecei o dia sabendo que o terminaria ouvindo Luís Felipe Noé. O pintor/poeta do caos, que como bem disse a entrevistadora, de longe parece abstrato mas de perto esconde as mais loucas figuras, monstrinhos prontos para morder seu nariz. 
  E os monstrinhos não são por acaso. Para ele, caos é aquilo que está em constante mudança. Caos não é desordem, caos não é estático. E no turbilhão que surge frente a um quadro de Noé você entende o que ele está falando. Mas ele próprio admite que nem sempre entende o que diz. Ou mesmo o que pinta. "Quando comenzo a pintar algo, no se lo que comenzo". O processo criativo, assim como a carreira de um pintor, pra ele, é uma viagem de trem em que, no começo, você sabe para onde quer ir, mas não sabe bem o que é esse lugar aonde deseja chegar. Agora, no final da viagem, diz que se sente aproximar de novo do começo, pois a viagem é, na verdade, circular. 
  Circular ou não, certamente uma viagem. Uma viagem que, a mim, faz navegar entre vários mundo. O mundo da brincadeira e o mundo da violência dialogam com uma fluência difícil de explicar. Acho que pra ele também. "Quando penso sobre o mundo, pinto. Quando penso sobre a pintura, escrevo". Mas me explicou, mesmo assim, dizendo que o lúdico é a eterna mudança, assim como o caos. De fato, a brincadeira da criança tem uma proposta inicial mas nunca se sabe aonde irá chegar. É imprevisível e constante ao mesmo tempo. Uma atividade criadora das mais puras. Já o violento é tudo que intenta reprimir essa criação, o que tenta impor a ordem, que não é de nossa natureza. Um subversivo, hã? Mais um, junto com o José Pacheco, para a lista dos senhores grisalhos e subversivos que cativaram meu coração. 
  Pra quem estiver afim de se deixar cativar, também, por esse otagenário genial, a ultima parcela de seu meio século de carreira vai estar exposta na Bienal de Curitiba. Obras dos últimos dez anos vão compor a exposição do MON e agregar a mais outros 150 artistas que vão estar por Curitiba. 
  Vale conferir - ele e todo o resto de uma vez, pra armar o furacão na cabeça.   E, quem sabe, se o caos te fizer sentido, você se torna um subversivo também. 
  
  

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Rumba-la Rumba-la Rumba-ba

  Militâncias e pseudo-esquerdices a parte. Não vou desfiar meu rosário politizado aqui. O fato é que Infância Clandestina é da turma dos filmes sensíveis. Daqueles que tem a lindura de mostrar a infância de dentro, sem pieguices; Vale - e toca -  para todos aqueles que, como José Pacheco, tem um amor maduro pela infância, e não pieguismo pedagógico. Vale porque mostra a boniteza e a confusão de se crescer. E mais, tudo isso no meio da confusão que, imagino eu, foi viver em meio à militantes de esquerda durante uma ditadura militar. 
  

  A história é de Juan, que volta  para a Argentina, clandestino, como Ernesto. Ele conhece Maria, esta com um nome só, Maria mesmo. E o resto perderia a graça, assim, escrito. Os olhos do diretor, Bejamin Ávila, mostram melhor: em sonhos, em quadrinhos, em olhares. Tem que ver pra poder sentir e, assim, entender melhor o menino Juan/Ernesto.
...

  Falando nele, me lembro de outras crianças que conheci certa vez, vivendo algo similar. O papo era outro, mas o olhar da mesma sensibilidade.
"Vamos jogar Allende e Fidel. Eu sou o Allende, ele é o mocinho."
"Então serei Franco. O papai do papi o conheceu!"
"Ele é mau na canção da Pilar."
"Que canção?"
"Rumba la rumba la rumba ba... Ay camelia!"
[Na mesma rola também um "Se esconda, a polícia!"]
La faute a Fidel (A Culpa é do Fidel)


quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Hoje não vou dormir.

  Hoje não vou dormir. Por que?, você me pergunta. E eu respondo, mas preciso começar do começo.
  Sou uma menina que foi criada por educadores. Cresci lendo Mafalda e acreditando que a educação (crítica) é o motor que pode mudar o mundo. Cresci cercada de livros e pipocada de perguntas. Depois de crescida, trabalhei, e trabalho, com outros idealistas que tentam fazer esse motor funcionar. Por tudo isso, espero muito da educação. Espero o mundo. E por esperar, me decepciono muito com a educação.
  Me decepciono porque, enfim, a educação é um fenômeno humano e, assim, passível de erros. Me decepciono porque vivo no Brasil. Me decepciono porque estou na universidade pública que, no Brasil, é habitat para uma ampla fauna de professauros. Me decepciono porque fui ensinada a ser crítica (chata). 
  Mas hoje não. Hoje voltei para casa com brilho nos olhos, somente conseguindo repetir mentalmente: "Brilhante! Brilhante!". Hoje cheguei em casa com aquele olhar apaixonado que faria minha mãe perguntar: "Quem foi desta vez?". E eu responderia: "Um senhor grisalho, bigodudo e estrábico". 
  Mas não, não foi o senhor, ainda que tenha seu charme, que me encantou. Foram as suas ideias. Ideias subversivas que desaguam torrencialmente, como se fossem a coisa mais natural do mundo. Ideias que dizem: "Vamos virar a educação de ponta cabeça. Assim o mundo acaba virando do avesso". E o melhor de tudo é que, como o próprio deixou claro, ele não é um jovem utópico, mas um sexagenário que fala com conhecimento de causa, de quem já fez acontecer. Um sexagenário que lançou uma faísca nesse motor que  subverte, chamado educação. Pior! Não contente com a faísca, deu uma de Cabral e veio nos ajudar a descobrir o Brasil, lançando uma verdadeira granada nessas engrenagens. 

  Bom, quem se interessar nessa loucura toda vai clicar nos links acima ou procurar mais sobre o gajo que, com 25 anos, criou a Escola da Ponte, acabou com as grades horárias e disse que "aula é inútil e prejudicial". Mas o fato é que o sujeito, como bem disse o mediador da conversa (com sua sensibilidade invejável de J.C. Fernandes), desassossega qualquer um. Desassossega porque mostra que é possível subverter. É possível pensar e fazer diferente. É possível ter alunos que estão aprendendo porque querem e assim crescendo, cognitiva, afetiva e moralmente. É possível criar cidadãos conscientes nesse mundo (há, pós-moderno?) ligeiro e confuso. 
  E aí a gente tem vontade de gritar: AGORA ME MOSTRA COMO! Mas o mediador me iluminou de novo quando perguntou "que tipo de milagre os professores pediam que ele fizesse". Ai me dei conta: ele não vai me mostrar como. Ele não vai resolver meus problemas. Eu não vou ter uma Escola da Ponte pra trabalhar. Eu vou ter que quebrar o coco na parede até pensar em um jeito. Todos os dias. José Pacheco  só fez mostrar a faísca, mostrou o que é possível. Agora? Agora é pensar, agir, errar, repensar, ler muito, pensar, agir... Infindamente (Não será isso educar? Educar-se? Reconstruir-se num ciclo sem fim? ). Agora é nunca tirar essa pulga detrás da orelha, essa que grita que nem tudo precisa ser como é. Agora é que são elas. Ou melhor, agora é que somos nós. E é por isso esqueci  a comida no fogo. É por isso que estou desassossegada, virada do avesso. É por isso que hoje não vou dormir.